
Em entrevista ao Portal da UFMG, a professora Vanya Pasa, coordenadora do LEC, aborda o programa de formação de profissionais para atuar na cadeia produtiva, traça um panorama das pesquisas na Universidade e discute o impacto que a exploração da camada de petróleo do pré-sal pode provocar sobre o interesse em torno dos biocombustíveis. “Seria um erro desacelerar o desenvolvimento dos biocombustíveis acreditando na exploração do pré-sal como solução para todos os nossos problemas”, afirma a professora, que acredita ser possível “diluir a matriz energética”, com o uso das duas fontes, biomassa e petróleo.
Como avalia o estágio das pesquisas em biocombustíveis na UFMG?
São várias as linhas de pesquisa na UFMG na área: catálise heterogênea para a produção de biocombustíveis, transformação da glicerina, subproduto do biodiesel, em outros produtos, estudos com biocombustíveis em motores desenvolvidos por colegas da Engenharia. O nosso grupo trabalha, ainda, com novas metodologias, mais simples e baratas, para análise de combustíveis, e desenvolvemos também bioquerosene de aviação. Já houve alguns voos experimentais com bioquerosene, e a indústria está trabalhando fortemente nesse sentido. Muitas são as rotas em desenvolvimento. Biocombustíveis é uma área importante, estratégica.
O laboratório recebe financiamento?
Nosso laboratório recebe financiamento para pesquisas e também vende serviços para o programa de monitoramento de combustíveis. Realizamos vários projetos, muitas teses já foram desenvolvidas e temos hoje dois alunos de pós-doutorado. E há também essa vertente de formação de recursos humanos, um projeto do Departamento de Química financiado pela Agência Nacional de Petróleo e pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, por meio da Finep. Esse programa visa a formar alunos de graduação, mestrado e doutorado e até de pós-doutorado em química de biocombustíveis. Alguns alunos recebem bolsas que envolvem projetos de pesquisa na área e eles também cursam disciplinas complementares. Temos ainda que promover a interação desses alunos com toda a cadeia produtiva.
Que tipo de formação é oferecida a esses profissionais?
No curso de graduação, há disciplinas que abordam a química do petróleo, as relacionadas ao álcool envolvem aspectos da produção do combustível a partir da cana, do milho, combustíveis de segunda geração, questões ambientais, ganhos e problemas, riscos. Tem também a parte de qualidade, dos sistemas de gestão e certificações. Damos também enfoque à legislação vigente, porque não basta estudar química, o profissional precisa conhecer a legislação que envolve o setor. A ideia é que ele esteja bem preparado em vários aspectos.
Como o laboratório trabalha com os biocombustíveis?
No caso dos biocombustíveis, a gente trabalha em todos os sentidos. Quando monitoramos os combustíveis, monitoramos também os biocombustíveis, porque a gasolina brasileira tem de 20% a 25% de álcool em sua composição. Não há mais diesel 100% de petróleo, o que temos hoje é um diesel aditivado com biodiesel, um B5, com 5%.
Essas análises são feitas a partir de amostras?
Sim. As amostras são coletadas nos postos revendedores de 550 municípios de Minas Gerais. A partir do banco de dados formado com as amostras e informações de que dispomos, é possível visualizar os problemas do mercado e propor projetos.
A tecnologia de biocombustíveis é nova se comparada às relacionadas aos derivados fósseis. Por isso, talvez exija ainda ajustes e aperfeiçoamentos, principalmente em relação à performance. Como a senhora analisa o estágio dessas tecnologias de produção de combustíveis verdes na comparação, por exemplo, com o petróleo?
Entendo que os combustíveis fósseis estejam inquestionavelmente consolidados. O Brasil tem um programa de etanol de cana de mais de 30 anos. Acredito que o etanol brasileiro é o mais amadurecido em âmbito mundial. Temos ainda um desafio que é a produção do etanol de segunda geração. O Brasil está correndo atrás dessa tecnologia, baseada na produção a partir da celulose. Em vez de utilizar o caldo, como no caso da cana, em que se retira o açúcar para fermentação, trabalha-se com o bagaço. A celulose é separada para que suas moléculas sejam quebradas e possamos extrair um açúcar passível de fermentação. Mas isso não é fácil de fazer, demanda trabalho e investimentos. Essa será, nos próximos dois ou três anos, a área prioritária no ramo de pesquisa com etanol.
O que essa modalidade de etanol representa em termos de preservação ambiental?
Trata-se de um avanço muito grande em termos de aproveitamento energético. Imagine que poderemos aproveitar uma gama de resíduos - palha, lixo, madeira velha, pó de serragem, capim, grama, gramínea, tudo o que é constituído de celulose, e submeter ao processo. Poderemos transformar lixo em produto de valor. Agora, na questão do biodiesel, o programa brasileiro ainda é muito recente. Embora tenhamos muitas indústrias e uma produção expressiva, acredito que ainda caminhamos para o aperfeiçoamento dos processos produtivos. No que tange à qualidade, temos ajustes a fazer, como a diminuição do teor de água. É necessária ainda toda uma adaptação da cadeia produtiva para receber o biodiesel no mercado.
Com as perspectivas de exaustão das reservas de petróleo, os biocombustíveis se tornaram uma espécie de “menina dos olhos” do governo brasileiro e um diferencial competitivo do Brasil em termos energéticos. A descoberta recente da camada do pré-sal pode provocar a redução dos investimentos em biocombustíveis?
Empresas do setor de petróleo estão muito entusiasmadas com a exploração do pré-sal, e isso talvez diminua um pouco o interesse, mesmo no caso de empresas, como a Petrobrás, que tem uma área que cuida de bicombustíveis. O grande negócio hoje é o pré-sal, mas eu acredito que sejam coisas distintas, que merecem investimentos por razões diferentes. Se você problematizar a questão das mudanças climáticas, muito está relacionado ao excesso de CO2 na atmosfera, ou seja, ao desequilíbrio do consumo de carbono - esse carbono que estava amortecido debaixo da terra e que nós retiramos, utilizamos e jogamos na atmosfera. Os biocombustíveis chegam como uma alternativa para tentar equilibrar essa equação, pois não podemos nos esquecer do compromisso ambiental. Do ponto de vista energético, é muito bom que o Brasil tenha abundantes reservas de petróleo, não precise se submeter a pressões de outros países, conquiste a autossuficiência e possa até exportar. Mas seria um erro desacelerar o desenvolvimento dos biocombustíveis acreditando na exploração do pré-sal como solução para todos os nossos problemas. Defendo o compromisso de perenizar nossa responsabilidade com as novas gerações. Não falo de substituição, mas em uso partilhado, podemos diluir essa matriz. Não sabemos também a dimensão do pré-sal em termos de custos, essa descoberta exigirá esforços muito grandiosos, e os biocombustíveis já são uma realidade. O Brasil é um país muito grande, temos muitas pessoas trabalhando, podemos comportar vários segmentos de desenvolvimento energético.
A senhora então não crê na desaceleração de pesquisas e investimentos nos biocombustíveis...
Acredito que não, pois já existe uma cadeia industrial consolidada em relação ao álcool, e grandes empresas, como a Petrobrás, que trabalham com biodiesel. Antes de a ANP assumir o controle, não havia mesmo uma visão estratégica do governo brasileiro para o gerenciamento da produção de etanol. Quando essa função recentemente foi atribuída à ANP, o etanol deixou de ficar sujeito aos donos das usinas, pois agora eles precisam assumir o compromisso de produzir certo volume para suprir o mercado. O que nós perdemos foi a urgência no desenvolvimento de novas tecnologias para a produção de biocombustíveis, mas o foco continua.